PRINCIPAIS PONTOS DE DOR
A fibromialgia,
doença identificada apenas nas últimas décadas, caracteriza-se por dor
crônica que migra pelo corpo e manifesta-se predominantemente em um de
seus lados, embora o outro também seja sensível.
São nove os pontos fundamentais de cada lado, portanto 18 no total, em que a dor pode instalar-se:
1) na região subocciptal (atrás da cabeça);
2) no músculo trapézio (em cima do ombro e nas costas);
3) na região supraespinal;
4) na altura das vértebras cervicais;
5) na articulação condrocostal, onde a segunda costela se insere no osso esterno;
6) no joelho, especialmente na parte de trás do joelho;
7) no trocanter, área onde o fêmur se encaixa na bacia;
8) na região glútea;
9) do lado do cotovelo.
Em
90% dos casos, a doença atinge as mulheres o que de certa forma
confundiu o diagnóstico, uma vez que se atribuía a dor à somatização de
possíveis problemas psicológicos. Hoje, se sabe que a fibromialgia é uma
doença relacionada com o funcionamento do sistema nervoso central e o
mecanismo de supressão da dor. Além da dor, ela provoca outros sintomas
como fadiga, falta de disposição e alterações do sono.
CARACTERISTICAS E FREQUÊNCIA DA DOENÇA
Drauzio – A fibromialgia é uma doença muito frequente?
Lin Tchie Yeng –
Estudos internacionais sugerem que a fibromialgia acomete de 7% a 9% da
população, especialmente as mulheres na faixa dos 35 aos 50 anos, mas
pode também aparecer na adolescência.
Drauzio – Quais são as principais características dessa dor e quanto ela interfere na rotina diária dos pacientes?
Lin Tchie Yeng –
Dor, cansaço, falta de energia e disposição para realizar atividades
rotineiras são os principais sintomas. Muitos pacientes se referem,
também, à cefaleia (dor de cabeça), funcionamento inadequado do
intestino (cólon irritável), sensibilidade durante a micção (síndrome da
bexiga irritável) e ao sono pouco reparador, o que faz as pessoas já
levantarem cansadas.
IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO
Drauzio – Existem nove pontos em cada lado do corpo em que a dor pode instalar-se. Como isso ocorre?
Lin Tchie Yeng –
Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado. A
pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de
tendinite ou LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela
reaparece no ombro ou nas regiões lombar e cervical. É uma dor
migratória que, na ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode
espalhar-se por todo o corpo.
Drauzio – Você poderia explicar o que é LER?
Lin Tchie Yeng –
LER (lesões por esforços repetitivos), ou DOT (distúrbios
osseomusculares relacionados ao trabalho), é uma doença bastante comum
atualmente. Estima-se que, em São Paulo, de 5% a 8% dos trabalhadores
apresentem dor no braço ou na região cervical como consequência de suas
atividades profissionais. No Hospital das Clínicas, mais ou menos 30%
das pessoas com tendinite provocada pela repetição contínua de certos
movimentos, sofrem também de fibromialgia e isso causa diagnósticos e
tratamentos equivocados.
Não se sabe ainda explicar, porém, se a
falta de tratamento adequado faz com que essa dor de início localizada
se irradie por todo o corpo. O que se sabe é que nessas pessoas o
sistema supressor da dor, que coordena a relação entre dor e analgesia,
não funciona direito.
DOR TÍPICA DA FIBROMIALGIA
Drauzio
– Quando você atende um paciente que se queixa de dor no braço ou nas
costas que persiste por alguns dias quando escreve no computador por
mais tempo, o que a faz suspeitar de que esse sintoma não seja resultado
da má postura e da repetição dos movimentos, mas indique um processo de
fibromialgia em desenvolvimento?
Lin Tchie Yeng -
Sabe-se que 70% a 80% das pessoas já sentiram, em algum momento, dor
nas costas. Essas dores, no entanto, são benignas e costumam melhorar
espontaneamente, sem tratamento. As dores da fibromialgia duram pelo
menos três meses e, em geral, não apresentam resposta satisfatória aos
tratamentos clássicos com analgésicos, anti-inflamatórios e
fisioterapia. Por isso, quando a dor for crônica, é importante procurar
um especialista para diagnóstico preciso e indicação de tratamento
adequado.
Drauzio – Você acha que talvez muitos médicos ainda menosprezem esse tipo de quadro de dor migratória e generalizada?
Lin Tchie Yeng -
Nos Estados Unidos, até aproximadamente quatro anos atrás, apenas 25%
dos profissionais reconheciam a existência de fibromialgia. No Brasil, a
tendência maior tem sido atribuir a causa dessa dor a fatores de ordem
psicológica ou familiar. Assim, é comum receber pacientes tratados sem
sucesso durante cinco ou seis anos e aos quais foi indicado consultar um
psicólogo ou psiquiatra.
OUTROS SINTOMAS DA FIBROMIALGIA
Drauzio – Quando a dor está localizada em um único ponto, o que a faz suspeitar de fibromialgia?
Lin Tchie Yeng –
A dor é apenas um sintoma e é preciso descobrir suas possíveis causas.
Se a pessoa se posiciona mal diante da escrivaninha ou do computador,
usa travesseiros inadequados, ou dorme de mau jeito, pode sentir dores
no pescoço ou nas costas que tendem a desaparecer quando eliminados os
fatores desencadeantes. No entanto, se a dor não melhora ou melhora
pouco, é recidivante e não responde de maneira satisfatória aos
tratamentos convencionais, médico e paciente devem levantar a
possibilidade de um caso de fibromialgia.
Outro indício da doença é
existirem, quase sempre, vários pontos dolorosos. Algumas vezes, a dor
predomina numa região, mas podem doer todos os músculos do corpo. No
exame clínico, o paciente só não se queixa de dor na testa; o resto dói
tudo. Além desses, a presença de sintomas como cansaço, falta de energia
e ausência de sono reparador deve ser levada em conta para o
diagnóstico da doença.
ESPECIFICIDADE DO EXAME CLÍNICO
Drauzio – Como deve ser o exame clínico de um paciente com suspeita de fibromialgia?
Lin Tchie Yeng
– O primeiro passo é fazer um exame físico e neurológico para afastar a
possibilidade de algumas miopatias, problemas neurológicos que podem
induzir cansaço e fraqueza muscular. Depois, é feita uma avaliação das
estruturas musculares, ósseas e dos ligamentos. Esses exames são
fundamentais para descartar outras doenças. Por fim, apalpam-se os 18
pontos dolorosos já mencionados para fechar o diagnóstico. Alguns
autores defendem que, havendo de nove a onze pontos dolorosos, a doença
está caracterizada.
MULHERES SÃO MAIS VULNERÁVEIS
Drauzio – Como explicar que as mulheres representem 90% dos casos da doença?
Lin Tchie Yeng –
São várias as razões. O sistema nervoso das mulheres produz menos
serotonina e por isso elas também estão mais propensas à depressão. Além
disso, por questões hormonais, durante a tensão pré-menstrual, tudo
fica mais sensível na mulher. Outro fator repousa na dupla jornada de
trabalho feminina. Hoje, as mulheres trabalham fora, mas continuam
responsáveis pela execução de tarefas dentro de casa. Sobrecarregadas,
pouco tempo lhes sobra para o repouso, o que facilita a incidência maior
de dor pelo corpo. Cefaleia e dor nas costas, assim como as
manifestações psicossomáticas, também são mais comuns entre as mulheres.
Todos esses fatores somados justificam a maior incidência de
fibromialgia entre elas.
PROCESSAMENTO INADEQUADO DOS ESTÍMULOS AMBIENTAIS
Drauzio
– Você disse que a fibromialgia não provoca apenas dores musculares. Há
alterações de sono e no funcionamento dos intestinos, por exemplo.
Essas alterações associadas à dor muscular estão sempre presentes?
Lin Tchie Yeng –
Não necessariamente, mas entre 50% e 80% dos casos algumas dessas
queixas estão associadas à dor muscular. Na verdade, essas alterações
sugerem que não está havendo um processamento adequado dos estímulos
dolorosos que vêm do ambiente. A dor piora se vai chover ou faz frio e o
estresse também aumenta a vulnerabilidade à dor.
Drauzio – Qual é o peso da falta de sono reparador nessa patologia?
Lin Tchie Yeng –
Existe uma relação muito próxima entre dor e falta de sono, uma vez que
ela é uma das principais causas da alteração do sono e que quem dorme
mal fica mais susceptível à dor.
LIMIAR MAIS BAIXO DA DOR
Drauzio
– O mecanismo da dor é absolutamente necessário à sobrevivência e
evoluiu para que ela impeça agressões ao funcionamento do corpo. Pode-se
dizer, então, que os doentes com fibromialgia têm um limiar mais baixo
de dor?
Lin Tchie Yeng – Perfeitamente.
Numa pessoa saudável, por exemplo, não geraria desconforto na região
lombar ficar sentada por algum tempo numa postura errada, porque o
sistema supressor de dor funciona a contento usando endorfinas e a
serotonina produzidas pelo organismo.
Para as pessoas com
fibromialgia, esses estímulos são processados de forma diferente e, em
geral, resultam em dor. Além de o limiar ser mais baixo, o sistema
supressor de dor funciona menos.
Sabe-se, atualmente, que nas
mulheres existe uma predisposição genética familiar não verificada nos
homens. Mulheres com fibromialgia, se pesquisarem em suas famílias,
descobrirão parentes próximos com queixas semelhantes de dor pelo corpo.
A soma desses fatores é responsável pelos quadros de dor crônica.
POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO
Drauzio
– Pessoas com fibromialgia possuem mecanismo do estímulo nervoso
alterado e percepção em certas áreas do sistema nervoso central também
alterada. Como o tratamento pode equilibrar mecanismos tão diversos e
complexos como esses?
Lin Tchie Yeng –
Prescrever apenas analgésicos não é o suficiente. O tratamento clássico
envolve antidepressivos em doses menores do que as indicadas para a
depressão, uma vez que os neurotransmissores da dor e da depressão no
sistema nervoso são muito similares ou, às vezes, os mesmos. Quando se
receitam esses medicamentos, os pacientes precisam ser informados de
suas propriedades específicas para garantir a adesão ao tratamento.
Atividade
física também é um elemento importante para melhorar o sistema
supressor da dor, pois estimula a sensação de plenitude, conforto e
satisfação.
ASSOCIAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Drauzio
– Isoladamente, os anti-inflamatórios cujo uso contínuo acaba
apresentando efeitos colaterais indesejáveis não resolvem o problema da
dor e por isso devem ser associados aos antidepressivos?
Lin Tchie Yeng –
Com o uso exclusivo de anti-inflamatórios, a dor melhora por uns
tempos, mas torna a aparecer. No tratamento da fibromialgia, medicação
ajuda, mas não é o suficiente. É importante trabalhar com o lado físico e
psicológico do paciente. Por isso, os antidepressivos representam uma
primeira e conveniente opção. Associados aos analgésicos e
anti-inflamatórios, diminuem os sintomas da dor. No entanto, pacientes
com fibromialgia ou dores crônicas requerem abordagem multidisciplinar
para que o tratamento apresente resultados mais eficientes.
Drauzio
– Fazer o diagnóstico de fibromialgia e prescrever medicamentos
antidepressivos associados a anti-inflamatórios pode ser uma conduta
apenas parcial, porque esses pacientes exigem uma abordagem mais ampla. O
que você aconselha nesses casos?
Lin Tchie Yeng –
Nos casos de espasmos ou tensão muscular, por exemplo, há necessidade
de um tratamento específico. Massagens e acupuntura podem ser métodos
interessantes, só que não adianta tornar os pontos dolorosos inativos se
não forem feitos exercícios de alongamento e para corrigir a postura.
Posteriormente, deve ser indicado ainda um programa de condicionamento
físico. Todos os trabalhos demonstram que sozinha a medicação, em geral,
é insuficiente como medida terapêutica. Ela precisa estar associada a
atividades físicas permanentes.
É também importante estar atento
às alterações de sono desses pacientes. Os antidepressivos têm a
vantagem de regular os períodos de sono. Alguns deles, porém, os mais
modernos, devem ser tomados de manhã, porque interferem em determinadas
fases do sono o que não acontece com os tricíclicos, como a
amitriptilina, que podem ser tomados à noite porque contribuem para o
relaxamento muscular e ajudam a dormir.
EXECÍCIOS FÍSICOS E ACUPUNTURA
Drauzio – Que tipo de exercício físico é mais indicado para esses pacientes?
Lin Tchie Yeng –
Todos esses pacientes precisam ser avaliados individualmente.
Entretanto, de maneira geral, os exercícios de relaxamento e alongamento
são muito importantes, como é importante orientar a postura no
trabalho, em repouso, nas atividades de lazer e o condicionamento físico
para fortalecer o sistema cardiovascular. Carregar pesos costuma piorar
a dor.
Vencida a fase dolorosa, além desse programa de exercícios, os médicos costumam recomendar ioga, hidroginástica e caminhadas.
Drauzio – Exercícios de maior impacto como levantamento de pesos, corridas, etc. são desaconselháveis para essas pessoas?
Lin Tchie Yeng –
Para essas pessoas que apresentam maior sensibilidade à dor, é melhor
indicar exercícios de menor impacto. Hoje, se fala muito em Pilates, um
método de trabalho físico que envolve ou não alguns aparelhos
.
Na verdade, é muito parecido com alongamento global e condicionamento
físico. A dança mostrou ser outra atividade interessante para os
pacientes atendidos no Hospital das Clínicas. Eles ouvem música e vencem
o medo de se mexer e sentir dor. Ali, a receptividade dessas aulas tem
sido muito boa, porque os pacientes saem com a cabeça mais leve e o
corpo mais relaxado.
Drauzio – Acupuntura ajuda nos casos de fibromialgia?
Lin Tchie Yeng –
A acupuntura estimula o sistema supressor da dor. Alguns pacientes com
fibromialgia, porém, precisam receber um número menor de agulhas, porque
são mais sensíveis à dor das picadas.
CONTROLE E REMISSÃO DA DOENÇA
Drauzio – Fibromialgia é uma doença crônica. Como costuma evoluir no decorrer dos anos?
Lin Tchie Yeng –
Alguns trabalhos mostram que o mais importante nessa doença é fazer o
diagnóstico. Saber o que tem deixa a pessoa mais tranquila, pois é
complicado sentir dores sem nenhuma causa aparente. Como a mídia tem
tratado frequentemente do assunto, alguns pacientes se diagnosticam
corretamente antes de ir ao médico. Todavia, eles precisam saber que têm
uma disfunção de regulação da dor provocada por distúrbios físicos e
psicológicos, e precisam aprender a lidar com ela visando à melhora de
sua qualidade de vida. Precisam conhecer a proposta de tratamento que
inclui medicação e atendimento psicológico e emocional.
Drauzio – Alguns doentes ficam curados?
Lin Tchie Yeng
– A fibromialgia não é necessariamente uma doença crônica. É como o
diabetes e a hipertensão arterial para os quais existe controle dos
sintomas. Já foram registrados casos em que houve uma exacerbação da
enfermidade por causa de um episódio de estresse agudo. A vida corria
tranquila, mas algo aconteceu, quebrou o equilíbrio e veio a crise. Por
outro lado, há pacientes que conseguiram a remissão seguindo
corretamente o tratamento. Essa remissão, porém, não será definitiva se
não houver a correção dos fatores desencadeantes.
Drauzio – Então, não há necessidade de manter a medicação indefinidamente como se faz com o diabetes e a hipertensão?
Lin Tchie Yeng –
Pacientes que conseguem controlar os fatores que desencadeiam a dor e
os que a suprimem podem necessitar de pequena dose de antidepressivos só
para estimular o sistema supressor. Aqueles que conseguem manter o
equilíbrio com outras atividades podem prescindir desses medicamentos.
É
importante lembrar que episódios agudos podem ocorrer esporadicamente,
mas isso não significa que tenha havido uma recaída séria. Às vezes,
basta corrigir o fator que desencadeou o processo para que o equilíbrio
seja retomado.
REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS
Drauzio
– Dores diárias, constantes, acompanhadas de cansaço, mau funcionamento
do intestino, sono irregular podem ter repercussões psicológicas
sérias. Em que medida a psicoterapia ajuda essas pessoas?
Lin Tchie Yeng –
A psicoterapia ajuda a pessoa a entender e reduzir os fatores
desencadeantes. Hoje, em vez da psicoterapia clássica muito difundida no
Brasil, defende-se a utilização das terapias cognitivo-comportamentais
que buscam modificar a percepção do que acontece ao redor e o
comportamento. Se o paciente compreender a causa da doença e desenvolver
hábitos e comportamentos adequados, saberá lidar melhor com os
episódios dolorosos.